Not all men, but #YesAllWomen

feminismo

Demorou uma semana, mas já perdi a hora da postagem por um dia. Porém, o caso foi que sábado não tive tempo (ou inspiração) para a postagem que eu queria fazer para essa coluna, o que é uma postagem muito delicada. O objetivo de fazê-la com calma para poder ler o suficiente sobre e organizar um texto que me parecesse bom levou a demora. Tendo isso respondido, vamos ao texto.


Nesse momento, praticamente todo mundo já deve saber sobre o massacre que aconteceu na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, que deixou seis estudantes mortos e treze feridos. A notícia esteve nos telejornais, todo mundo falou sobre isso na televisão e na internet, em todos os lugares. Elliot Rodger, o atirador, deixou para trás uma grande pilha de explicações para o que ele estava fazendo, desde um grande apunhado de comentários em vídeos antigos no seu canal próprio quanto o vídeo em que ele fala que o dia de retribuição chegou, quando ele vai fazer a sua vingança contra a humanidade porque ele foi forçado a viver uma existência de solidão porque mulheres nunca foram atraídas por ele (veja a sua própria conta e risco). Dentro do seu próprio comentário, ele dizia que queria que todas as garotas que o rejeitaram e todos os garotos populares que ele invejava (essa parte eu acrescento sem medo de ser feliz) sofressem por eles terem uma vida melhor do que ele. Elliot Rodger chegou a conclusão de que como ele era o “perfeito cavaleiro” – fato dito por ele dentro do vídeo – e as mulheres, cruelmente, lhe negavam sexo (não companhia ou afeto ou carinho, sexo; como também é dito por ele no vídeo), então ele estava sendo injustiçado pela sociedade e ela merecia pagar por isso, pela sua infelicidade.

Não há mais o que falar sobre esse evento, mas há muito o que falar sobre tudo o que levou ao momento em que isso aconteceu. Há muito o que falar pelas pessoas que comentam que “se alguma das mulheres que o rejeitou tivesse saído com ele essa catástrofe teria sido evitada”, pelas pessoas que seguem afirmando que não há sexismo e que não há nenhuma discriminação a mulheres atualmente. Que o feminismo não é mais necessário porque, afinal, temos todos direitos iguais. É preciso se falar muito sobre as causas em um mundo em que quando isso acontece, há a necessidade de se colocar uma discussão em um argumento de que nem todos os homens são assim, ao invés de encarar que há uma parte que, sim, são. Esse argumento veio na forma da hashtag #notallmen que foi basicamente a forma que os homens que se sentiam incomodados pela discussão sobre sexismo, misoginia, cultura do estupro e direitos das mulheres que surgiu no twitter depois do acontecimento tiveram para dizer que, ei, não é nossa culpa porque nem todos os homens são assim.

Sim, eu sei perfeitamente que nem todos os caras que eu conheço ou que existem no mundo são pessoas terríveis que vão sair matando os outros porque se acham no direito disso. Sim, nem todos os homens do mundo são estupradores ou abusam sexualmente de outras pessoas. Sim, nem todo homem no mundo sente a necessidade de gritar para aquela mulher que passou na rua na frente dele como se fosse um cachorro no cio. Sim, nem todo membro do sexo masculino é uma pessoa terrível e nojenta. Sim, nem todos os homens fazem um trabalho ativo de opressão de gênero. Ter o seu gênero sendo generalizado como se todos fossem iguais é bem irritante, sim, e eu, como mulher, sei perfeitamente como isso é. Entretanto – newsflash everyone! – ter seu gênero generalizado, no caso do gênero masculino, só leva a sentimentos feridos e pessoas se sentindo insultadas. Porque, afinal, logo depois que aquela discussão acaba, podemos voltar ao status quo de um mundo onde uma música sobre date rape é número um das paradas e ainda tem o cantor falando que a música é sobre libertação feminista. Dentro do gênero feminino, diferentemente, muitas vezes leva a muitos tipos de abuso sexual e até, como no caso de Elliot Rodger, um massacre no meio de Santa Barbara.

Dessa maneira, surgiu a hashtag #YesAllWomen, como uma resposta ao movimento do #NotAllMen. Enquanto grande parte das campanhas feministas costumam atingir somente as pessoas que já acompanham esse nicho, o #YesAllWomen atingiu um outro nível, envolvendo pessoas que não são exatamente ativistas ou procuram estar informadas nessas questões (o que aconteceu, em parte, no Brasil, com o #NãoMereçoSerEstuprada) e homens que não se sentiam pessoalmente atingidos e afetados por estar havendo uma expressividade nessa questão. A conversa dentro da hashtag foca nos efeitos da misoginia como algo negativo, tanto para mulheres e para homens, mas sem ficar exatamente nesse mimimi (me dou o direito de chamar de mimimi) de que nem todo homem é assim, de atestar o fato na defensiva. A conversa acontece encarando o fato de frente, encarando que isso acontece com mulheres de todos os lugares, de todas as classes sociais, de todos os níveis e qualquer outra medição possível e que todos deveriam estar vendo isso ao invés de estarem se defendendo sem nem ouvir os argumentos da outra parte. A imagem que há do #NotAllMen é uma criança que vê seus pais vindo na sua direção e já grita que não foi ela, sem nem querer ouvir o que eles vinham lhe dizer.

A hashtag foi crescendo, logo no seu segundo dia já tendo mais de um milhão de tweets entrando na sua contagem, e, cada vez mais, as histórias aumentam a prova de que um movimento para terminar isso é necessário. De que alguma coisa está acontecendo de errado e não é um errado que vem só das coisas que estão claras – como no caso de uma mulher ser apalpada no metrô ou do estupro, que todo mundo (eu espero que todo mundo que lê esse post, ao menos) entende que são erradas. Mas nas coisas que vem do dia a dia e, principalmente, da maneira como as pessoas se tratam e como as pessoas se vêem.

O diálogo proposto pela hashtag é trazer o sexismo e todo o machismo que muita gente tem que enfrentar todos os dias, nas pequenas coisas. É trazer para mesa o fato de que é mais fácil, hoje em dia, dar um telefone falso para um cara do que dizer para ele que não quer sair com ele – já que ele pode ser um desses que não encara rejeição bem. É falar sobre o fato de que a mídia apresenta a mulher como um objeto o tempo inteiro e ninguém parece se importar sobre isso. Colocar um diálogo sobre o fato de que importa mais o que a mulher está usando ou fazendo do que o que aconteceu. É trazer a tona que ser comparado a uma mulher – por ser chamado de mocinha, pussy, etc – é algo ofensivo para qualquer homem porque, bom, ser uma mulher não pode ser algo tão positivo assim. Afinal, se homens ficam envergonhados de serem comparados a uma mulher, então… É. De que não deveria ser uma coisa vista como correta reprimir mulheres por não serem puras e santas, principalmente quando se incentiva homens a serem viris – o que é outro estereótipo de gênero, da virilidade masculina, o que também é uma repressão de gênero para esse lado, diga-se de passagem. Além de muitas outras coisas, como bater novamente na tecla dos diferentes níveis de pagamento para homens e para mulheres, de que muitas vezes mulheres vão ser desqualificadas em seus locais de trabalho por serem mulheres. Do fato de que se uma mulher está irritada ou triste, obviamente é algo hormonal e não puramente emoções, como qualquer ser humano supostamente tem, e que isso faz com que mulheres sejam mais fracas do que homens.

Ela é utilizada para ligar histórias, principalmente, e fazê-las visível, como já havia acontecido antes com o #everydaysexism e o #rapecultureiswhen e até, em parte, o #nãomereçoserestuprada, apesar desse não ter tanto esse viés. Histórias de violência sexual, de abuso sexual e do medo de que isso aconteça, histórias que vem do mundo inteiro. Mas, ainda assim, muita gente parece não entender o sentido dessas coisas, perpetuando os próprios preconceitos sem realmente pensar em como isso tudo vem nos afetando dia após dia. Em como todo mundo é basicamente condicionado a pensar desse jeito e a agir desse jeito. Anos e anos de doutrinamento nesse status quo, entretanto, não desculpam a cegueira. Afinal, basta procurar para que você tenha a capacidade de ver que o mundo não é tão fechado como a sua cabeça é. Basta vir um entendimento que, acima de tudo, somos todos seres humanos. A mulher não é um objeto para ter que ouvir que o que se mostra está ai para ser vendido. Não tem nada sendo vendido, apenas tem uma pessoa se vestido do jeito como ela bem quer.

Não só isso como a quantidade do que acontece e quando acontece é algo para ser levado em perspectiva. Não é só um tweet sobre uma mulher sofrendo com sexismo, são dezenas de tweets ao redor do mundo inteiro que contam a mesma história, que narram a mesma situação, mesmo que não na mesma gravidade. Uma listagem do que acontece nessa rede seria algo inoportuno de se fazer, já que iria desincentivar as pessoas a irem lá e verem por si mesmos, apesar de eu estar listando alguns dos próprios tweets que eu achei importantes e vi. Ainda mais porque todos deveriam estar vendo isso, todos. Independente das suas próprias lutas pessoais, independente do quão inoportuno achem, independente do que esteja acontecendo nas suas próprias vidas. Isso é algo que se refere a sociedade como um todo e como a sociedade precisa mudar. Não para o bem dessa geração, mas para as gerações futuras, dos seus filhos, netos, bisnetos. Afinal, você quer ensinar para a sua filha a ter que se proteger enquanto anda na rua de noite ou quer saber que ela vive em um mundo melhor?

O momento pede essa atenção, o movimento das pessoas pede essa atenção e, acima de tudo, o agrupamento delas em torno de uma causa comum. Porque isso não foi feito diante de várias pessoas que já eram ativistas nessa causa se unindo e fazendo uma coisa grande diante disso. Não. São pessoas comuns, pessoas que nem falavam disso, pessoas que viram a hashtag na lista de trending topics e foram lá olhar. Não são só pessoas que sabem se expressar bem, mas aquelas que também não sabem, aquelas que não vivem disso, aquelas que não ligam o suficiente, mas acharam que era uma boa ideia abrir os olhos e ver. E isso, como um fator modificante, é algo extremamente importante acima daquela ideia de “manifestante de twitter” que não se mexe nunca para mudar as coisas. Muito acima. Esse movimento não é algo que pode ser descreditado, não quando há tanta gente agindo em prol dele.

Outra coisa importante sobre o #YesAllWomen, talvez, é o fato de não fazer parte especificamente de uma corrente. Não é algo centralizado em uma organização ou uma pessoa, não é algo incentivado ou levado ao público por um grupo privado. É espontâneo. É como se todo um grupo de pessoas livres dentro da internet finalmente tivessem chegado ao ponto limite e quisessem deixar todo mundo sabendo que chega, que não dá mais para levar isso tudo. Não foi necessário ter um consultor para criar isso, nenhuma agência de publicidade, nenhum trabalho de desenvolvimento. A hashtag não levantou dinheiro – apesar de algumas empresas terem começado a se aproveitar dela depois, vendo o movimento, como era de se esperar – e ela não trás ao holofote nenhum produto ou algo pequeno. Como um movimento orgânico, acontece simplesmente por um ato de liberação de fazer uma coisa que todos fazem no twitter o tempo todo: Reclamar da vida. Entretanto, dessa vez, o propósito da rede social vira algo positivo e pró-ativo, algo que pode realmente fazer alguma mudança no mundo. Nem tanto reclamar nessa conotação negativa que a palavra tem, como se reclamar sempre fosse uma coisa ruim que não trás nenhuma coisa positiva, como se não existisse crítica construtiva. Não, o que acontece é um pedido de atenção para essas questões todas. Algo que pedia para que a sociedade olhasse para essa situação e finalmente começasse a trabalhar nisso, mesmo que a mudança seja pequena.

Afinal, não é todo mundo que vai ler os tweets e ver que está tendo ações erradas, não é todo mundo que vai parar de gritar ‘não fui eu’ antes mesmo de escutar. Não me refiro, também, só ao grupo de homens da outra tag, mas a mulheres que partilham desses ideias de mente fechada e se mantém dessa maneira. Acredito que cada um tenha direito a ter o seu jeito de viver e ter seus ideais, além do direito de defendê-los, e isso inclui essas pessoas. Porém, é irônico que eles se sintam tão afetados pela ideia de pessoas com opiniões contrárias a eles estarem se expressando dessa maneira que tenham que mandar a quantidade de mensagens de ódio que também se vê enquanto se passa algum tempo na tag. É mais triste ainda que esse movimento tenha vindo da morte de seis pessoas completamente inocentes por um maníaco, porém ao menos alguma coisa positiva veio disso.


Aqui embaixo vem os textos e vídeos que eu li para escrever esse texto e que eu acho que podem ser muito importantes para complementar a discussão apresentada aqui.

2 comentários em “Not all men, but #YesAllWomen

  1. O que eu não entendo em movimentos como o #notallmen é pq alguém se dá ao trabalho de defender um “direito de oprimir” do qual alega não fazer uso. Como alguém pode alegar que não faz parte do grupo que exerce sua misoginia quando sua resposta automática a ver alguém falar que está sofrendo com isso é espernear que não não está e se está isso não é problema seu. A verdade é que se um cara em particular não perde nada em as mulheres adquirirem esse mínimo de respeito, não há razão para que pedir por ele o ofenda, incomode ou mude sua vida da maneira que for. Eu hein.

    Parabéns pro #yesallwomen, e que essa conscientização faça seu papel na luta para superar esse tipo de problema que é absurdo ainda termos.

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