Todas as regras devem ser respeitadas?

Eu estudei em colégio católico quase a minha vida inteira. Primeiro em um colégio, depois em outro colégio da mesma linha e então em uma faculdade católica. Os três tinham regras muito claras sobre a conduta dos alunos, apesar da faculdade sempre ter sido muito mais tranquila do que os colégios. Mas estudar nesse lugar, especificamente no Colégio Santo Agostinho, fez com que eu entendesse com clareza que nem toda regra tem que ser respeitada. Há regras que você tem que bater de frente até que elas sejam mudadas. Há regras que são tão retrógradas e tão problemáticas que elas tem que mudar – independente de onde você está naquele momento.

Essa ideia ficou presa na minha cabeça desde que eu vi a notícia de que o Colégio Salesiano Santa Rosa, também católico, estava oprimindo estudantes. Isso não me veio como nenhuma surpresa, considerando o ambiente em que ele estava inserido. Com a minha experiência em um colégio de formato parecido com o dele, eu não poderia esperar menos do que isso da instituição. Só que lendo os comentários que vinham na postagem, eu notei que as pessoas não parecem saber o quão é problemático um colégio estar oprimindo um grupo do colegiado. Entre comentários bifóbicos, LGBTfóbicos e ofensivos de todo o tipo, havia um pensamento comum que me deixou muito intrigada. Várias pessoas partilhavam da mesma ideia – a de que o garoto deveria entender que no ambiente em que ele estava ele não poderia ser quem ele é por ter que respeitar a conduta do local. Conduta LGBTfóbica e opressora, claro.

Esse comentário acontecia tanto na postagem do estudante, no seu perfil pessoal, quando na postagem do Jornal Extra, onde os comentários são sempre uma área perigosa de se estar. E as vezes havia respostas no próprio comentário apontando como isso é uma coisa completamente maluca. Independente de se estar em um colégio religioso, a liberdade individual da pessoa deve ser respeitada. Ela tem o direito de ser quem ela é, de agir do jeito como ela age, de ter seu cabelo e seu estilo pessoal mantidos de uma forma libertária. Escola não é exército – e nem o exército deveria impedir que as pessoas tenham liberdade individual.

Regras homofóbicas e repressoras devem ser combatidas. Regras que obrigam os estudantes a serem menos do que eles deveriam ser devem ser combatidas. Regras que prendem os estudantes a um estereótipo que não lhes pertencem devem ser combatidas. Regras que obrigam as pessoas a deixarem de serem elas mesmas devem ser combatidas.

Mas essa introdução toda foi para falar um pouco do projeto Escola Sem Partido.

O famoso projeto que recentemente teve uma consulta pública aberta na página do Senado, propõe fazer uma educação “neutra” e impedir a “doutrinação” dos estudantes. Como o site do próprio movimento (o que já denota uma ideologia, porque movimentos tem uma ideologia, mas eles parecem não entender o que isso significa) fala, o Escola Sem Partido luta pela “descontaminação” política e ideológica das escolas, pelo respeito a “integridade intelectual e moral” dos estudantes e pelo “respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a educação moral que esteja de acordo com as suas próprias convições“. Tudo isso é muito bonito, de fato.

Só que então você vai olhar as coisas que eles propõe proibir nas escolas e tudo se torna muito feio bem rapidamente.

Primeiro porque o projeto Escola Sem Partido não parece saber que no momento em que eles estão querendo a descontaminação política e ideológica das escolas, eles estão pregando uma ideologia. Tudo é ideológico. Quando você fala bolsomito, você está emitindo uma ideologia. Quando você pensa que ter “Deus é fiel” nas notas do dinheiro brasileiro é maneiríssimo, você está emitindo uma ideologia. Então, no momento em que você impede que ideologias sejam discutidas na sala de aula, você está emitindo uma ideologia que, invariavelmente, vai ser conservadora e restringente. Conservadora porque ela vai de acordo com o status-quo (ou seja, não é diferente do senso comum) e restringente porque ela não permite a propagação de outras ideologias diferentes.

Então, por exemplo, em um dos artigos da lei que propõe implantar esse projeto está “O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual (sic) dos alunos e nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade em harmonia com a respectiva identidade biológica do sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação de postulados da teoria ou ideologia de gênero”. Ou seja, não pode conversar sobre gênero nas escolas. Crianças e adolescentes que são transexuais nunca vão receber o acolhimento necessário das escolas, porque eles estão vedados de pensarem sobre a transexualidade. Mulheres nunca serão estimuladas a serem iguais aos homens nas escolas porque isso está vedado de acordo com a proibição da temida “ideologia de gênero”.

O mais engraçado é que o texto da lei parece partir do suposto de que isso está impedindo a propagação ideológica da ideia de gênero, mas, na realidade, esse texto está implantando outra ideologia. E por que essa ideologia do texto da lei é mais certa do que a ideia de ensinar gênero nas escolas? Por que ensinar gênero nas escolas faz com que as crianças ‘virem’ transexuais? Ensinar sobre dinossauros nas escolas faz com que as crianças virem dinossauros? As pessoas precisam começar a entender que ninguém vai te fazer virar uma coisa que você não é. Ninguém ‘vira’ transexual ou LGB+ porque disseram isso para eles na escola. A pessoa já é isso. E então ela se liberta de uma ideologia heteronormativa e cisnormativa ao aprender coisas novas e entender coisas diferentes.

A realidade é que o que se precisa no Brasil não é uma “Escola Sem Partido” que, na realidade, é uma Escola Com Partido Conservador, mas um ensino crítico. Precisa-se ensinar aos estudantes que eles podem, sim, questionar o que o professor está lhes dizendo. Eles podem interferir naquela narrativa e aceitar outra narrativa, se isso funcionar melhor para a vivência deles. E, acima de tudo, é necessário ensinar outras vivências. É necessário que, em colégios onde só há pessoas brancas, se ensine sobre privilégio branco, meritocracia, sobre como há racismo (e muito!) no mundo. É necessário que se ensine sobre a realidade das comunidades mais pobres, sobre como funciona a desigualdade social no Brasil, sobre como esse tipo de coisa é acobertada o tempo todo. É necessário ensinar sobre violência policial. É necessário ensinar sobre como as discriminações de gênero existem no mundo e como nós devemos sempre respeitar os outros.

A Escola Sem Partido propõe que só se ensine as coisas da ideologia deles.

Você quer bolo? Aqui tem!

Eu sempre tive uma grande paixão: Bolo. Eu amo bolos. Amo comer bolos, amo a ideia de fazer bolos (apesar de eu não exatamente saber como se faz um bolo), amo decorar bolos e, também tirar foto de bolos – e postar para falar sobre esse doce maravilhoso! Que é o melhor doce do mundo, como todo mundo sabe!

Então já fazia algum tempo que eu estava com a ideia de abrir um instagram (principalmente depois de ter falado sobre como essa rede social é a minha favorita aqui) e ai eu finalmente inaugurei a minha ideia na semana passada. O Sommelier de Bolo (@sommelierdebolo) é para fazer review de, claro, bolos – mas também vou fazer de outros doces porque eu não tenho nenhum foco mesmo, então pra que tentar fingir que tenho, não é?

Para anunciar o instablog aqui no Coisas Desiguais, o meu blog lindinho, eu decidi fazer mais uma lista de instagrams que falam desse assunto – bolos ou doces. Sem mais delongas, a lista!


A Whipped Cake é uma confeitaria de Brisbane, na Australia, que faz alguns dos bolos mais maravilhosos que eu já vi na minha vida. Eles são todos incríveis e exatamente no estilo que eu mais gosto. Sem muito requinte exagerado, sem muito enfeite, sem muita zoeira e só aquele sabor mais do que delicioso de um bolo fenomenal.


Tem coisa mais gracinha? O Cuppy and Cake é um dos meus blogs favoritos para ver bolos principalmente por conta do estilo super delicado das coisas que eles publicam. Se você gosta desse tipo de “culinária arte” então aqui é o lugar para procurar! Inclusive, recentemente eles fizeram uns cookies do Pusheen que são oficialmente o MEU SONHO DE CONSUMO. Não sei porque não os tenho comigo nesse momento, honestamente.


O Tastemade já era fenomenal na versão americana (que super vale a pena olhar se você gostar de ficar para sempre obcecado por vídeos de comida), então agora chegando na versão brasileira fica incrível (novamente, obcecado por vídeos de comida!). Além de fazerem aqueles vídeos maravilhosos (!!!!!!) que a gente adora compartilhar no facebook, eles também publicam receitas e na versão BR tentam incorporar sempre coisas brasileiras nas receitas, assim como a sua versão do buzzfeed, o Tasty Demais.


A Unbirthday Bakery é também fenomenal, tal como a Whipped Cake. Isso deve ser alguma coisa de doceiras australianas, porque a confeitaria também fica na Austrália, mas em Sidney. Eu cometi o erro de entrar no site deles e lá tem os preços (que não são caros!) e estou quase querendo ir para a Austrália só para encomendar um bolo. Vai dizer que você não queria uma coisa dessas só para você? A melhor parte: Eles não usam fondant em nada (e eu não gosto de fondant, apesar de achar lindo).


A Magnolia Bakery, que está para abrir a sua primeira filial no Brasil (que infelizmente é em São Paulo, grrrrr) é um verdadeiro sonho de consumo meu. Tudo que eles tem lá é lindo e parece gostoso, mas todo mundo sempre me diz que é maravilhoso MESMO. Porque, né, tem aquelas coisas que parecem gostosas e todo mundo sempre me diz que não são (tipo Cake Boss, infelizmente). Sério, ok. OLHA ESSES CUPCAKES. Não dá uma vontade de lamber a tela?


Rocambole de pizza? Tem no feed da Gordelícias! Além de ser um blog super gracinha e que me fez stalkear a Raquel Arellano em todas as redes sociais (basicamente), o Gordelícias tem um feed maravilhoso no instagram. Ela alterna muito bem entre as fotos das receitas deliciosas, indicações de onde comer e ainda aquele drops de vida de verdade que a gente sempre gosta de ver no conteúdo. É muito legal, sério!


Quer mais? Vai lá no Sommelier! :P

Escrever no Ônibus

[IMAGENS DE DOR E SOFFRIMENTO]
[IMAGENS DE DOR E SOFFRIMENTO]

Talvez vocês tenham notado que eu tenho passado menos por aqui. Isso é verdade, eu tenho mesmo. Não por falta de gostar ou pela minha já consagrada (aqui no blog) falta de capacidade de cumprir os prazos que eu coloco para mim mesma. Dessa vez é porque eu arranjei um emprego e não tenho tanto tempo mais para escrever – o que é muito triste, mas muito feliz. A felicidade do emprego é uma coisa que me ilumina todos os dias quando eu acordo e lembro que tenho um trabalho que eu gosto, sim. Mas eu queria escrever mais.

Como funciona isso????

Acho que isso faz parte da gente, não é? Todo mundo sempre quer mais. A pessoa pode ter tudo – o que eu não tenho (ainda) – mas vai sempre decidir que precisa de mais. Precisa de mais tempo, de mais afazeres, de mais dinheiro, de mais motivações, de mais ritmo, de mais neuras, tudo. Mesmo as coisas que a gente não procura, nós sempre queremos em excesso. E, sei lá, isso faz parte da humanidade. Por isso que tem tanto problema no mundo. Não é isso que as pessoas falam? Que a ganância é o grande pecado que trazemos para nós mesmos pelos desejos não correspondidos? (Isso sou eu que digo mesmo, no caso.)

Mas uma coisa que eu notei hoje, voltando do trabalho, é que eu posso reclamar de tempo o quanto eu quiser que eu sempre vou achar tempo mal aproveitado para aproveitar melhor. Se eu realmente estivesse determinada a cumprir com um projeto, eu iria cumprir. Se eu realmente estivesse determinada em escrever, eu iria escrever. Se eu realmente quisesse, eu iria conseguir. O real, porém, é que nem sempre as coisas são assim. Pessimista, já estava pensando que iria ter que largar, deixar de lado, essa tentativa bloguística porque eu não consigo me organizar.

Então eu lembrei que para voltar do trabalho eu passo quase uma hora sentada em um ônibus vazio. O que inspira mais as pessoas do que um ônibus vazio, não é mesmo? Ao menos ônibus me inspiram demais, sempre me inspiraram. Eu tenho vários contos escritos em ônibus, vários contos sobre histórias que acontecem em ônibus. Tenho até um conto SOBRE um ônibus, que está lá na Revista Pólen. Então eu não ia deixar a rotina me derrotar e iria escrever no ônibus. Foi daí que esse texto saiu.

Eu sei que escrever no ônibus e ler no ônibus faz mal pra vista, tá? Já fui muito avisada pelo meu oculista que odeia esse hábito, mas eu não consigo impedir. As melhores ideias que eu tenho vem dentro de ônibus. Eu sempre acabo tendo ideias maravilhosas quando estou lá cercada de gente fedida que pode ou não estar lendo o que eu estou escrevendo agora. E eu tenho a facilidade de que eu não fico enjoada fácil. Então por que bloquear esse fluxo criativo?

Fica aí esse desabafo sobre escrever no ônibus. Meu pequeno manifesto.

Quando falam ‘manifesto’ parece ser uma coisa tão séria e chique, fico me sentindo que nem esse gato

No final, esse texto todo era para anunciar que eu tenho o plano de postar um texto por semana e eu realmente vou tentar cumprir esse prazo, apesar de eu nunca conseguir.

No mais: Até semana que vem!

Outlander: La Dame Blanche

Desde quando comecei a assistir Outlander, eu me apaixonei pela série. Pela forma como apresentam os personagens, pela visão feminina que existe na série toda, pela produção que se encaixa em cada episódio. Continuo amando a série, mas, como um choque de realidade, a gente lembra que nada pode ser perfeito. E como em outras produções, isso vem em uma cena de estupro.

O assunto não é incomum para a série. Há ameaças de estupro pela primeira temporada toda, há assédio pelas duas temporadas inteiras e há um estupro no final da primeira temporada. No caso, há uma diferença com o problema congênito que nós temos com estupros na televisão. Em Outlander, a pessoa que é estuprada é o homem, Jamie Fraser, e não a mulher, sempre a vítima nessas situações.

A série, diferente do que o esperado, tratou bem a situação nessa cena. É forte, é uma cena pesada, há triggers sendo abordados e merece um grande TW antes de acontecer. Mas não é explícita. Ninguém vê o que aconteceu, ninguém precisa ver o que aconteceu para acreditar que aconteceu. Jamie é estuprado e nós vemos o antes e o depois disso, as consequências para ele disso tudo.

Até aí… Tudo bem.

A questão sobre cenas de estupro não é que elas não precisam acontecer nunca, jamais, estão todas proibidas. A questão é que elas são muitas vezes utilizadas pelo fato de choque no lugar de serem apresentadas na série como algo que traz um desenvolvimento para um personagem ou que faz parte da trama em questão. O melhor exemplo de estupros como fator de choque é, claro, Game Of Thrones. Não vou me estender no assunto porque o Lugar de Mulher já falou muito bem sobre isso, o Spoilers também falou umas coisas bem legais e todo mundo já sabe da história, né?

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E onde é isso? Na lua?

De qualquer maneira, então chegamos ao episódio “La Dame Blanche”, que é o quarto da segunda temporada, e novamente temos um estupro. Porém, dessa vez, é de uma menina. Enquanto Claire Fraser, Murtagh e Mary Hawkins estão voltando para a casa dos Fraser depois da carruagem delas ter quebrado, um grupo de homens com os rostos cobertos ataca os três. Eles nocauteiam Murtagh, prensam Claire (grávida) contra a parede e, depois de um deles perceber que Mary era virgem, um deles estupra a menina. No final da cena, eles fogem ao ver quem era Claire, que tinha recebido uma fama de ser bruxa (ou algo parecido) pela cidade.

Para piorar a situação, Mary foi levada para a casa dos Fraser, onde estava acontecendo um jantar. Por conta da trama da temporada, eles não podiam parar o jantar, então Claire dá um sonífero para Mary e a deixa sob os cuidados do garoto por quem a própria Mary já tinha falado ter sentimentos e ele também parecia gostar dela, etc. Ela e Jamie são boas pessoas, sim, e eles se sentem muito mal por tratar Mary desse jeito. Mas, como Claire diz, o dano já estava feito. Agora era tentar amenizar o dano na menina e, ao mesmo tempo, tentar não destruir tudo o que eles estavam tentando fazer para ajudar o povo de Jamie e toda a trama da temporada.

Pois bem. Mary acorda em um lugar estranho, que ela não conhece, do lado de um homem (que, sim, ela conhece, mas até perceber que era aquela pessoa, considerando o trauma, né), nas suas roupas de baixo. Obviamente, ela tem um surto, sai correndo. Ele sai correndo atrás dela, querendo impedi-la de se machucar ou de invadir o salão. Só que ele acaba a imobilizando no chão (com a melhor das intenções) e a cena fica, bom, muito fácil de ser mal compreendida para os que haviam ouvido os gritos.

Essa trama, em específico, é um desastre por motivos bem diferentes dos que fazem o estupro da Sansa ser um desastre. É uma trama que não aconteceu simplesmente pelo fator de choque, ela tem uma conexão com o que está acontecendo na série. Eu duvido muito que vai ser algo esquecido pelos roteiristas, certamente o acontecido vai ser muito bem abordado dentro da série. O motivo pelo qual a cena do estupro da Mary se destacou para mim como um grande desastre foi exatamente quando colocamos ela em comparação com o outro que aconteceu na série.

Por que o estupro de Mary precisava ser tão explícito se a própria série já fez um estupro antes que não precisou disso tudo? Jamie é um dos personagens principais da série, um dos personagens com o qual o espectador está mais conectado. Com ele, não mostramos. Mary é uma personagem secundária e extremamente unidimensional – a grande caracterização dela até agora tinha sido como uma mulher virgem que teme o sexo mais do que tudo (o que só faz o acontecido ainda pior, convenhamos) – e que não tinha demonstrado ter tanta relevância para a trama dos Frasers até o momento em que ela é estuprada.

Se ela é tão coadjuvante assim, por que mostrar a menina sendo estuprada? Por que fazer desse ato um fator tão explícito em cena? Há inúmeras maneiras de se deixar aquilo implícito, foi uma escolha nos fazer ver Mary sendo estuprada, nos fazer vê-la sofrendo. E foi uma escolha rude, uma escolha feia e desnecessária.

Mas, o que só deixa as coisas piores, qual vai ser o peso disso para Mary? A série é abordada pela visão dos Frasers, principalmente a visão de Claire. Então nós iremos ver o sofrimento dela pelos olhos de Claire, os olhos de um terceiro que estava presente quando aquilo aconteceu. Mas a dor de Mary será de Mary? Ou a dor de Mary será de Claire? Se a menina continuar tão pouco desenvolvida na série, ela não vai ter o destaque necessário para fazer essa trama valer a pena. Se ela se desenvolver na série, isso terá acontecido só por conta do seu estupro?

Afinal, essa trama foi colocada na série (e, acredito, nos livros também, apesar de não ter chegado a esse ponto ainda) com um objetivo. Como eles já tinham abordado as consequências de um estupro antes, não acredito que seja por esse objetivo. Acredito que tenha algum fundamento na trama e que este seja na trama dos Frasers enquanto na França. Isso, no caso, faz com que o estupro de Mary seja relevante para a história de Claire e Jamie.

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Usar um estupro como plot device é uma das piores decisões narrativas que alguém pode tomar, honestamente. desenvUsar um ataque sexual como uma forma de desenvolver a trama de um terceiro é uma coisa que eu não gosto de pensar em seriados, filmes ou livros. Uma coisa que eu, pessoalmente, acredito que seja dispensável para qualquer forma de ficção.

No final, eu continuo adorando Outlander e estou esperando ansiosamente para o episódio da semana que vem. Mas poderia ter passado sem essa, né?

A Evolução (?) das Mulheres em Doctor Who

Neste sábado, dia 23 de abril, foi anunciado que a nova companion de Doctor Who vai ser Pearl Mackie, com sua personagem chamada Bill. Em um vídeo de pouco mais de um minuto nós recebemos uma pequena amostra da personagem que vai acompanhar o Doctor-Calpadi nas suas próximas aventuras. E ela já me agradou bastante. Ela é uma mulher negra, com um black incrível, sem papas na língua para fazer as perguntas que nós queremos feitas desde o piloto (IT’S GOT A SUCKER ON IT?) e ainda apontando para o Doctor que, não, ele não explica nada direito. Foi um vídeo pequeno, mas foi o suficiente para me colocar animada com a próxima temporada – o que eu não sentia há algum tempo.

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Mas uma nova companion significa que temos uma nova personagem sob a gerência de Steven Moffat e, olha, eu não coloco muita fé de que ele consegue criar personagens novas boas, principalmente tendo em vista o que ele vem fazendo com a série nas últimas temporadas. Principalmente se ele continuar a não ouvir as críticas que são feitas em cima da sua escrita.

Eu imagino que se você leu esse texto até aqui, então você sabe o que é Doctor Who. Mas, por via das dúvidas, vamos explicar! Doctor Who é, em uma explicação bem rasa, uma série de ficção científica criada em 1963 e que vem passando até hoje pela BBC. O seu personagem principal tem o nome de Doctor e ele é um alienígena, um Time Lord do planeta Gallifrey. E o Doctor tem uma máquina do tempo, a TARDIS (Time And Relative Dimensions In Space), com a qual ele faz viagens no tempo e no espaço perseguindo coisas que sejam interessantes para atiçar o seu ânimo e curiosidade.

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TARDIS <3

Ele geralmente viaja acompanhado de um humano, referido como companion, que o ajuda em suas aventuras. Como parte do universo de ficção científica, a série está sempre em renovação à medida que, ao morrer, o Doctor pode trocar de rosto. Os companions, entretanto, vêm de uma renovação mais dolorosa, com sua saída da série geralmente sendo um momento bem dramático de perda. Mesmo assim, eles foram sempre personagens importantes para a guia da trama, uma vez que são os olhos leigos dentro do universo completamente novo. E um fator predominante dentro dessa figura é que geralmente são personagens femininas fazendo tal papel, principalmente no reinício da série em 2005.

Falar em personagens femininas dentro do universo da ficção científica sempre foi um problema. Com personagens altamente estereotipadas dentro de um gênero predominantemente masculino, era a coisa mais comum ver as personagens femininas sendo colocadas em segundo plano como as donzelas indefesas que precisavam de salvação ou como a figura do “sidekick”. Não é raro ver isso acontecendo hoje em dia, mesmo que tenhamos algumas grandes vitórias em Rey (The Force Awakens).

Entretanto, Doctor Who (me referindo especificamente ao reinício de 2005, a “série nova”) quase sempre soube equilibrar muito bem a imagem do leigo, o iniciado no universo novo, com a criação de personagens femininas importantes para o andamento da trama. Até agora foram cinco: Rose Tyler (Billie Piper), Martha Jones (Freyma Agyamen), Donna Noble (Catherine Tate), Amy Pond (Karen Gillan) e Clara Oswald (Jenna Coleman).

A série começa com Rose Tyler como a companion, uma garota de 19 anos, londrina, que trabalha em uma loja e que nunca se viu de maneira especial. Um evento que acontece natumblr_n9adfnklwz1txbdydo2_250 loja onde ela trabalha traz os olhos do Doctor para si, uma vez que ela se encontra envolvida e, ao final, salva o dia. Ela decide começar a viajar com o Doctor e emenda em duas temporadas da série. Sua família, seus amigos e o seu namorado (que não é tão namorado assim) aparecem durante a série, tendo inclusive papeis relevantes para o andamento da trama.

Ao final do seu arco, fica conhecida por todos os cantos do universo como “Rose Tyler, defender of the Earth”, um título de suma importância para uma personagem que começou se sentindo tão pequena. Ela tem um envolvimento romântico com o Doctor, mas, diferente do que acontece em diversos outros produtos do tipo, esse envolvimento nunca é levado de forma sexual ou até enfatizado dentro da série. Ele existe, mas não é intrínseco à trama. Apesar de haver algum destaque para tal, a série (ou a personagem) não gira em torno do romance entre os dois, que praticamente só ganha destaque na despedida, quando Rose fica presa em uma dimensão alternativa e nunca mais irá poder ver o Doctor de novo.

Martha Jones era uma médica em formação quando acontece um evento no hospital onde ela trabalhava que faz com que esse hospital seja posto em perigo. Mesmo sendo jovem, ela se coloca dentro de ação no episódio e acaba quase morrendo ao se sacrificar para ajudar o Doctor, colocando-se em perigo para ajudar a pessoa que poderia salvar todos dentro do hospital. Ela também começa a viajar com o Doctor e, ao final do seu arco, ele acaba sendo posto em perigo mortal e cabe a ela salvar a terra e ao próprio Doctor.

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Linda, tão linda <3

Mais uma vez, há uma personagem feminina – e dessa vez negra, também – colocada em uma posição extrema de poder e com grande responsabilidade e que, no final de tudo, é a grande heroína da série. Isso tudo “apesar” dela não ser a personagem principal e também “apesar” dela ser somente uma humana, uma pessoa que não conhece a imensidão do universo e essas outras criaturas que nos cercam. Martha, ainda além disso, decide abandonar a TARDIS para viver na terra, tomando as rédeas da sua própria vida para ficar com a sua família, que também é importante para a trama de Martha e para as suas decisões em geral.

Esse mesmo efeito de uma pessoa comum ser aquela de maior importância para a salvação da humanidade acontece com Donna Noble, a terceira companion. Seu primeiro aparecimento na série é em um episódio especial entre a última temporada da Rose e a primeira da Martha e depois só volta a aparecer depois que esta sai da série. Já ali ela era somente uma secretária temporária de uma empresa enorme, uma em um milhão, mas que se envolve em um evento conclusivo durante seu casamento. Ela, apesar de ser uma personagem de voz forte, se encontra presa em inseguranças e acaba entrando em uma armadilha por um cara fingia lhe amar. Esse episódio foi um filler, então Donna deixa de aparecer por uma temporada para só depois voltar a ser a companion da série. Quando ela retorna, afinal, a personagem já se encontra totalmente diferente.

Estando ciente do fato de que existem seres fora da terra, uma vida no espaço, Donna tumblr_n33w1so5a41rndtl6o3_250começa a investigar acontecimentos estranhos onde ela acredita que forças alienígenas podem estar envolvidas. Dessa maneira, ela entra em contato com o Doctor de novo e começa a viajar com ele, os dois se tornando melhores amigos e, na série nova, é a primeira vez que temos uma relação Doctor/Companion sem que exista qualquer envolvimento romântico. A participação de Donna na série termina com ela sendo tratada no título de pessoa mais importante de toda a criação depois de ter salvo o mundo diversas vezes durante a sua participação na série. Outro ponto importante para Donna é a sua família, que tem tantos fatores de impedimento quanto de incentivo para a sua viagem com o Doctor. O seu avô, em especial, é tão importante que ele volta a aparecer na série, desconexo da própria Donna – que somente está no episódio como um elemento de tensão.

Nesse ponto acontece uma mudança marcante no seriado, onde entra o novo showrunner, Steven Moffat, que guia a série até hoje (apesar de já ter anunciado que a 10ª temporada será a sua última). Nesse momento, o foco do seriado também muda de maneira drástica, com todos os episódios sendo grandiosos em efeitos especiais e em luzes e brilhos. Eu gosto de falar que eles escolheram trocar bons roteiros e boas temporadas por dinheiro para efeitos especiais. Isso, claro, aumentou muito a popularidade da série (O que é ótimo! Quanto mais gente melhor!), mas a que custo? O entretenimento da série se tornou somente por puro entretenimento, luzes, explosões, tramas grandiosas enquanto a crítica, o texto, os personagens foram deixados de lado. E isso, ainda mais do que em qualquer um, se mostrou muito especial nas companions seguintes.

Amy Pond é a primeira companion dessa nova fase e ela vem apresentada de uma maneira completamente diferente das anteriores. O Doctor a conhece quando criança, no momento em que sua TARDIS cai no quintal da casa da garota. Problemas acontecem e ele só volta a vê-la anos depois, 12 anos depois, quando ela começa a viajar com o Doctor, mesmo tendo passado esse tempo todo fazendo acompanhamento psicológico exatamente pelo trauma que ele lhe causou quando criança.

Ao final da primeira temporada dela, o que são 13 episódios de mais ou menos 45 minutos cada, nós não sabemos muito sobre ela. Sabemos que ela tem um noivo, Rory Williams, que ela não tem certeza se quer se casar ou não e esse é o motivo dela decidir viajar com o Doctor – ganhar tempo. Durante a série, ela, afinal, toma a decisão de voltar para o casamento e, mesmo isso parecendo muito marcante, nós não sabemos o que fez com que ela tomasse essa decisão e se apaixonasse pelo seu noivo. Sabemos que, por algum motivo, ela não tem pais ou qualquer responsável cuidando dela quando criança ou quando mais velha. Esse motivo, entretanto, não pareceu importante de ser explicado.

Amy é utilizada como uma guia da trama em muitos momentos, sem ter quase nenhuma força ativa nos acontecimentos. E, além disso, há graves problemas de desenvolvimento de personagem durante as suas duas temporadas e meia. Esses problemas culminam com o momento em que Amy fica grávida, tem o bebê, este é sequestrado… E ela nunca mais cita o assunto. O Doctor fala para ela que tudo irá ficar bem, que ele vai resolver a situação, e então Amy decide que isso não é mais um problema. Ela não tem trauma, ela não tem apreensão, ela não tem preocupações. Sua filha é roubada e transformada em uma assassina, mas isso não a deixa apreensiva ou lhe dá nenhum tipo de preocupação. Tudo passa quando não é mais necessário para a trama.

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Eu também fico com essa cara pensando nessa trama, tudo bem.

Ao final da entrada de Amy na série, ela é enviada para o passado e fica presa neste depois de se sacrificar para seguir Rory, depois dele ter sido preso naquela linha do tempo.

Entretanto, o grande problema com as personagens femininas em Doctor Who chegou ao seu ápice com Clara Oswald. Clara é envolvida em uma trama onde, ao final de tudo, ela é “a garota criada para salvar o Doctor”. Literalmente, essa é a frase dita durante a série, é a frase que resume a sua personagem. A sua primeira aparição ainda não é na forma de Clara Oswald, mas na de Oswin. Ela é uma personagem que somente aparece em um episódio, um filler, quando o Doctor é enviado para um planeta com a intenção de destruí-lo e lá a nave de Oswin desabou. O episódio termina com ela se sacrificando para que ele possa sair vivo. O segundo episódio que ela aparece ainda não é na sua personagem fixa, outro filler, ela aparece como uma babá da na época vitoriana e sua participação é nomeada somente de Clara. Ela morre, mais uma vez, como um andamento de trama para que o Doctor consiga derrotar seu inimigo a partir da morte dela.

Então, finalmente, no sexto episódio da temporada ela entra definitivamente como a figura de Clara Oswald, uma garota sem nenhuma definição ou características marcantes que, ao que tudo prova, não parece ter praticamente nenhum tipo de família atual ou relevante para sua vida – apesar deles fazerem algumas aparições no fundo, eles nunca são citados como impedimento ou como parte integrante da personagem. A família de Clara não parece notar que ela está convivendo com pessoas diferentes, está desaparecendo ou está agindo estranha. É como se eles não existissem.

Ela começa essa nova fase como babá de duas crianças e, subitamente, em um episódio aparece como professora, sem nenhuma explicação. Ela já queria ser professora antes? Ela fez faculdade? Ela fez algum curso? Como ela conseguiu esse emprego? Isso não parece ser importante, o que interessa era que a série precisava de algum link com uma escola, então Clara se tornou professora.

Mas o ponto mais relevante para o sexismo e o estereótipo da personagem feminina é a maneira como ela é lida pelo próprio Doctor. O Doctor leva Clara consigo para viajar, por assim dizer, por pura curiosidade. Ele quer saber como ela continua morrendo, porque ela é impossível. Ela é um mistério de quem ele começa a gostar. Isso, é claro, sem ele dizer para ela que ele está interessado nesse mistério. Sem ele lhe avisar o que está acontecendo (tal como ele tinha feito com a gravidez de Amy) ou fazer a menor menção sobre o fato de que para ele, ela é um mistério e não uma pessoa.

No último episódio da temporada se tem a solução desse mistério. Clara, em um ato para salvar o Doctor, entra na sua linha do tempo de maneira a impedir que ele seja morto em todos os momentos de sua vida por um vilão, A Grande Inteligência. Com isso, ela sacrifica cada segundo, cada minuto e cada dia de sua vida se tornando a garota nascida para salvar o Doctor. Ela está presente em todas as encarnações do Doctor, se tornando, provavelmente, a pessoa mais importante na vida inteira dele. Uma mulher que se dividiu em milhares para poder salvar aquele amigo que precisava. Mas, no final, tudo o que importa é que esse era o destino dela. Afinal, ela foi “criada” para esse papel.

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Ela acaba não morrendo, no final, pois o próprio personagem ressurge das cinzas – algo jamais explicado e que não faz o menor sentido – e a salva de lá, como se ele tivesse sido todo o herói da história. O que ele não é. Clara não deveria ter que morrer uma imensidão de vezes para salvar a vida dele e ele não deveria deixar isso acontecer. Ele, acima de tudo, não deveria sair disso o grande herói da história. Clara foi quem fez todo o trabalho! Ela quem o salvou, ela que se sacrificou para que ele vivesse!

Afinal, ela sobrevive e no episódio seguinte nada disso é mais falado, feijoada. Ela não tem nenhum tipo de trauma de ter morrido uma centena de vezes, ela não tem medo de continuar em aventuras com esse homem por quem ela morreu uma centena de vezes. Ela nem pede um tempo. Nada.

Na temporada seguinte, Clara interage com um novo Doctor, uma vez que ele se regenera em um episódio de Natal (um péssimo episódio de Natal) e, por um milagre, as coisas parecem melhorar um pouco para ela. Sua vida começa a criar mais cor, ela se destaca mais e até alguns pontos da sua personalidade são mais explicados. Clara se torna uma pessoa no lugar de ser só um mistério. Ela ainda tem muitos problemas como personagem, principalmente pelo fato dela ter sido usada como uma Manic Pixie Dream Girl (uma personagem que só existe para ajudar personagens homens na sua trajetória sem procurar qualquer tipo de satisfação pessoal) na temporada anterior.

Ela começou a desenvolver uma personalidade e criar uma persona para os escritores datumblr_n10avhqzuw1rlr2dlo7_250 série – o que depende muito de quem a está escrevendo, já que parece que alguns entendem a personagem e outros não fazem a menor ideia de quem ela é, como o próprio showrunner, Steven Moffat. Nessa leva, ela ganha mais liderança e características. Inclusive, um dos melhores episódios da série acontece com Clara praticamente sozinha (Flatline, S08E09). Eu escrevi um pouco sobre a Clara já, aqui no blog, falando de um dos episódios de Natal onde ela aparece, Last Christmas.

Clara Oswald ainda fica mais uma temporada com o Doctor antes dela ter o seu final, que tal como qualquer outra morte no Doctor Who de Steven Moffat é alterada de forma a que ninguém precise sentir o peso de uma tristeza eventual. Ela se torna imortal, pega a sua própria TARDIS e começa as suas próprias viagens – o que eu acharia um spin-off excelente!

Então, agora, chegamos a Bill, que nos foi apresentada tão recentemente e já criou tantas expectativas. Bill, também, que vai ser apresentada em uma temporada que será a última do showrunner, de Steven Moffat, que é tão criticado por essa escrita falha de personagens femininas. Uma amiga minha falou que ela acredita que a personagem não tenha sido escrita pelo Moffat, que ela já seja o novo showrunner colocando as mãos em cima da série, uma vez que ela (e nem eu) acredite que Moffat seja capaz de criar uma personagem que já demonstra tanta personalidade em um vídeo tão pequeno.

Ela sendo, ou não, escrita por ele, Bill já demonstrou muito mais naquele clipe do que algumas das companions de Moffat demonstraram em temporadas inteiras. Ela apresentou um humor, um sarcasmo, uma maneira interessante de ver o que estava acontecendo com ela que, pessoalmente, me deixou intrigada para saber mais sobre a sua personagem. Suas roupas são interessantes, sua persona é interessante, o jeito como ela interage com o Doctor é interessante. Com a expectativa alta e a ideia de que só iremos ter um episódio com ela no ano que vem, só nos basta esperar e não tentar criar muitas barreiras para que a personagem possa se desenvolver plenamente.